30 setembro, 2008

Sem tempo para voltar

Na manhã há mais tempo.
Há tempo na luz cadente.
E há o tempo que o céu tem,
Para rebolar cinza todo o tempo.

Então fiquei na rua esta manhã, à beira da rua.
E vi os passeios sem pessoas,
E as pessoas sem passar,
E vi as passadas sem distância.

Mas vi tudo com muito tempo,
Porque o céu espreguiça-se de manhã.
E hoje, estendi-lhe a mão para lhe apanhar o sono.

Por isso, logo fui de porta em porta pedindo,
E fui trazendo o tempo que deixaram à entrada.
E acabei assim deitado, à boca da rua,
Com mais tempo do que o que me tinham dado.

17 setembro, 2008

Sem horas para voltar

Quero ser flor de cerejeira.
De oriente em oriente ir viajando,
Nesse assobio do Vento oriental.

Quero ser canto de gaivota.
Que não tem ar, que não tem sangue.
Na onda vai simplesmente.

Quero ser pinheiro de maravilhosa ramada,
Que tem em jeito o hábito ao céu.
Em subir, em subir, e ele a vir.

Quero ser o ego dessa gente - experimentá-lo -,
Que têm de seda e medos o coração forrado,
E sem pregos, sem remendos e sem poesia.

Quero ser tudo o que não é
Bem verdade.
Só para acertar os ponteiros do meu relógio.

16 setembro, 2008

Ó Mar,

Nessas andanças anda o tempo,
Quais danças, quais emendos.
Precipitação no telhado e em tudo.
Qual chuva, qual água.

Água só no mar.

E aqui, em terra de fáceis folhas,
Sem mastro, sem leme, sem escolhas.
Qual calma, qual vida.
Vida o tempo leva.

Relógio não há no mar.

O Sal em leito e o Sol em luz.
O Sol recolhe e o Sal engrossa.

E aqui, de áspero Sol e negro Sal.
Qual calma, qual vida.

Vida só no mar.

06 setembro, 2008

01 setembro, 2008

Ó Mar,


Um homem caiu nos pulsos durante o inverno.

Da areia, os cotovelos, e dos dedos, espuma apenas. Quantas vezes quis ele estar assim, naquela posição específica e muda, debruçado na mesma emoção que uma mulher já experimentara um dia, quando os seus seios surgiam no seu vestido mais leve, no alpendre da sua fazenda, virada para a savana africana, enquanto ouvia o apanhador de café ceifar o descampado e murmurar para ela nos seus lábios mirrados:

Eu agora estou aqui,
Apercebo-me que estou mesmo aqui,
Igual a tudo como um tijolo na parede.
No sítio onde o Natal passa.
E onde passa a véspera de Natal,
A véspera de Ano Novo,
As estações, as colheitas e as mós,
E onde a minha a foice passa
Enquanto eu penso que é mesmo possível morrer.
E todos os dias do tempo e da minha vida passam
Enquanto eu ceifo.

Mas eu queria tanto do mundo que há do outro lado,
E oferecer-lhe a beber do meu café,
Bebendo-o sentados na cabana dos Maori.

Mas agora o homem era somente ele, numa praia deserta pelo gelo de Novembro, sem mulher e sem café, cujas posses físicas eram apenas o gosto de chupar a pele salgada, ali todo sozinho, único personagem da sua história com a barba mal feita e por fazer. Via as coisas à sua volta com uma cor mais clara do que o que ele esperava, porém, escura à mesma – talvez fossem só os seus olhos uma infeliz reminiscência do cinema a preto e branco. Agora que o desenvolvimento próprio lhe chegava – sabia muitas respostas a perguntas sobre a história do mundo e das antigas civilizações, conhecia muitas sinfonias e sonatas dos mais altos génios, conhecia a mais densa qualidade da sétima arte, feita pelos melhores realizadores e com os melhores argumentos e significados, tinha numa estante muitos êxitos do rock, tinha estado em muitos países e falava sobre eles fluentemente, tinha visitado muitos museus e observado as mais famosas telas, tinha lido muitos clássicos da literatura, e tinha feito muitas outras coisas fantásticas – e a natureza à sua volta lhe parecia mais completa do que quando vagueara pelos primórdios da juventude, decidiu avançar mar adentro, consciente de si, sempre na mesma posição, quase fetal, com a mente aberta e embrionária. O homem também sabia que não tinha mais ninguém com quem falar. Tinha conhecido pessoas e lidado com essa sua forma tão peculiar de andar pelo tempo, superando-se, por isso a sua confusão já era maior.

Tornou-se alimento das ondas, sem se importar por quanto tempo, e também ele engoliu uma golfada do profundo azul. E aí, nesse estádio máximo, a que ele quis chamar solitude, encontrou todo o mundo – todo ele assim redondo, de pernas cruzadas, sem as suas densidades e relevos, nem peso. Não havia razão nem comportamento. Já nenhum deles tinha lados, paredes interiores. Eram eles em pleno.