27 janeiro, 2009

Eu Sou Tempo

Faltam cinco meses, pelo menos esses. E a maneira como o descobri é ainda mais incrível do que o tempo que falta - contei-os pelos meus próprios dedos. Por isso, se o tempo fosse tal e qual quanto os dedos, eu cortava a minha mão. Cortava-a para que o tempo passasse e qualquer outra crise atmosférica, com tendência à hipérbole, passasse com eles, tão rápido que se condensaria só em neblina em vez de enterro. Eu não me lembraria. Eu não passaria noites a pensar que amanhã terei de passar o dia.

24 janeiro, 2009

Fazer

Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?
Álvaro de Campos

22 janeiro, 2009

(Oh, I Can Get By With) A Little Help From My Friends

Woodstock 3 Days Of Peace And Music


Joe Cocker

How do I feel by the end of the day,
(Are you sad because you're on your own?)

20 janeiro, 2009

M de Eva

O coração acabou por estoirar, mesmo sentado na marquise. E quando os dias foram ficando mais curtos, aí nem se podia, de tão longas que eram as noites, e de tanta escuridão que havia para chorar, que houveram as manhãs em que ainda não tinha chorado a escuridão toda, e a luz foi-se encurtando, como que para acumular à noite os restos que sobraram da anterior. A marquise fechada, o ventilador ligado. O coração.

De consolo sobrava o sono, que deixava passar o tempo, e a noite passava com ele, mesmo antes de se abrir os olhos. Foi então aí que começou a fumar o tempo, porque os cigarros eram iguais e o cachimbo tinha de caro o que não lhe faltava. Já de mal, quer isto quer aquilo fazia; tudo fazia, concluiu, no fim de contas. E quer chorar quer fumar, que diferença havia, porque ele fumava à séria; não era daquele fumo que ficava sem parecer que fica, era um fumo complicado, que parecendo que não havia de ficar, ficava mesmo, para se ver, morrer, e tudo.

(sem deturpar os cigarros temporais da inês, e agredenco-lhes por inspiração)

18 janeiro, 2009

In Heaven

Eraserhead No Céu Tudo É Perfeito

In Heaven, everything is fine
You've got your good things, and I've got mine

In Heaven, everything is fine
You've got your good things, and you've got mine

In Heaven everything is fine

17 janeiro, 2009

This Is Not Love Song

A Valsa Com Bashir

15 janeiro, 2009

Valsa Inferior

Quando acabei de respirar o golfo do Éden, senti uma certa valsa no estômago. Era como lhe chamei, ainda mal mal lá cheguei, Éden, tal foi a terra!, ainda nem me tinha deitado nela. Principalmente, havia dois prados maiores, cor de mel no calor, frios não se sabe quando, que se distinguiam por estarem cada um de cada do lado do meu senhor nariz. O amigo, meu ou não, de alguém ou senão, fizera, por ele mesmo, uma cerca branca, plantada a toda a volta do bosque mais pequeno, salgueiros, e também da casa - mas uma cerca toda bonita -, uma cerca, esta cerca, que me fez voltar a sentir como se eu fosse meu. Essa cerca podia fazer-nos pensar em coisas. Dois pares de traves entre cada par de estacas: quatro brancos, uma vertical, quatro horizontes, uma sem ele - contei. Além disso, a cerca só decorava; decorava o terreno para o fazer parecer uma tela que ainda ninguém tivesse pintado, e decorava as horas do sol, que a fizeram realmente escarnecer do seu verniz, e vergar-se em estalos, pouco a pouco, poucas vezes em muito tempo, mas que eu só a assim vi passado quinze anos, que, sem nenhuma razão aparente, como me habituei a não dizer, não passaram por nada, passaram-se só eles, sozinhos e sem mais nada.
Então, respirei.
Imaginei sem querer.
Vem plebeu, nasce comigo.

05 janeiro, 2009

Psicanálise

Sete coisas: uma sala escura, uma janela, um divã, um foco de luz, uma poltrona, um cheiro a hospital, um aparador. De repente, vejo-me tomado por uma vontade de dizer aos meus amigos que vão morrer. Às vezes nem é sequer uma vontade, mas já um reflexo automático de quando não tenho nada para dizer. Em jeito de brincadeira, pensou. A janela tremeu, e um vento pequeno entrou na sala. Quando dou pelo que vou dizer, só sobra o tempo de me calar, pois já que só depois de abrir a boca. Pensou. Não chego a dizer, não. Sinto-me mal. E então, vejo agora!, é mesmo daí que vem - e de que há -, um medo dos diabos, este medo dos diabos. Um medo para toda a minha vida, de não saber se sou eu mesmo que sou, ou se é só o meu corpo. Não sei se penso, ou se é só o meu corpo. E ao sentir-me triste ao pensar que assim talvez seja, lembro-me se é só o meu corpo que se sente e que pensa assim, e o meu cérebro, e o meu coração, e as minhas unhas, também. Não quero ser perverso, mas prefiria nunca ter nascido, que esforçar-me para nascer todos os dias. E se quer que lhe diga, até penso que o meu corpo é que é o único perverso aqui. Sinto que o meu corpo me supultou em si próprio e em tão dura saudade por pouca coisa quanto nada. Tudo isto faz um medo, um receio de não ser eu; um receio de que inevitavelmente eu terei de passar pelo que o meu corpo quer sentir, ou até que nem quer. Não sentiu o cheiro de um cigarro no cinzeiro do aparador, mas alguém o lá tinha posto. E às vezes, até é uma perda de memória. Sou maluco por, na verdade, não estar realmente onde estou. Pergunto-me se já fiz aquilo, e a resposta que recebo é que não me lembro. Tenho um certo pressentimento que são coisas, coisas a mais. É demais para mim, estas pessoas a falarem e a rir, constantemente durante todo o dia, só à noite é que não, mas mal por mal, até acaba melhor por ser o dia. São tantas vozes a pensar em nada ao mesmo tempo, que até me enjoo de estar aqui. Mas voltando ao que queria, é o que penso. Esqueço-me do que faço a pensar no que penso. Preocupo-me com o que penso e enquanto penso nisto, faço sem pensar aquilo. Percebe? Não admito mais nada, só que estou sozinho dentro de mim, sem deixar sair e sem deixar entrar, deixando as coisas em condensação. Aí sentiu-se como um corpo que caía, e até o disse a seguir. Sinto-me como um corpo que cai.