24 agosto, 2009

A terra à beira-mar

Atrás de um feto há uma sequóia, e atrás dela há ainda uma índia, que debruçada, abre às sombras os braços, gritando um filho pelas pernas. O Brasil afinal é mais assim, é capaz. Não é os os sujos nem os dominados nem os eufóricos, nem os loucos que enfim são iguais a todos, nem os que caíram para o sol cansado. Nem só. Há searas, e na Amazónia os índios escondem-se. É preciso falar o que eles falam. É preciso não ser-se estranho, e as pessoas são estranhas quando somos um estranho. E as caras são feias quando estamos sozinhos: é preciso falar o que eles falam. E as coisas são mesmo assim. Mas hoje as ONG's estão no estendal, do avesso. Nasceram pelo instinto generoso, mas dividiram terras, puseram fronteiras, e partilharam entre si o espaço, no sentido menos generoso do termo partilhar. Os governos nasceram pelo instinto organizador, e puseram de tal maneira a sua ordem na natureza, que já julgam que a própria natureza é sim a sua ordem e não o contrário. Hoje o património do Brasil, e das coisas todas, é património deste e daquele, do país de cima e do vizinho também. A terra desterrou-se e já não se pertence a si mesma. As coisas desencontraram-se e já não se encontram. Os índios são património. No entanto, os índios escondem-se. As sequóias e os fetos existem, uma corrente que sopra nos pulmões, e as florestas e as searas pertecem à mesma respiração de sempre, ora viva ora morna. Do outro lado, o mar também se insurge e se abate, e ele move-se mesmo - já as fronteiras, as leis, mexem-se, e, mais para fora do que para dentro, sempre dormentes.