31 dezembro, 2008

Mundo Cão

Quem quer que tenha roubado o lenço vermelho, uma coisa eu sei - não fui eu. Porque há-de haver quem ficasse sem o saber, há-de haver quem soubesse que não ficava e não ficava mesmo, quem não saiba que estava sequer, e ainda quem morresse só para o fazer e, claro está, sem ficar, ficava. Já eu nem sei nada, nem sei se fico nem sei se fui ou se vou, e não sabendo se chego a ficar, é como se não esteja, e o lenço vermelho volta para trás mesmo antes de chegar. Por tudo isto, ela, sabendo de tudo o nada, só parou nas janelas.

Vendo o dragoeiro no jardim, a mulher da Embaixada - lá está, sabendo de tudo o nada -, vem com a sua voz em ar de provocação e de lá diz - lá do encalce de lá de baixo: Não, chega. Se os frutos caiem de manhã, não quero que os apanhes. Deixa-os sangrar na relva, que daqui, de onde eu ando, vindo e voltando, é o mais bonito de se ver, sabes. Essa mancha, sabes. Ao menos, alguma coisa há que ver sangrando, nem que seja fora, porque aqui dentro só cá estou eu para o fazer. E quando houver, no jardim, mais que te pareça magoar, nem toques, porque, na verdade, faz companhia.

Voltou para dentro. E, deixa que diga, mesmo à noite, ainda sobrava ar da hora do chá - quando ela falou lá para debaixo - e soltou os elefantes para que comessem os frutos. Quando se voltou a deitar, quer dizer, antes, abriu a janela, e, agora, mesmo quando se deitava, claro está, ai!, como estava iludida. Vindo a maresia do fundo do quarto, nem horas de tudo ainda havia. O autoclismo rodou, e perguntou para si que se passava, e lembrou-se que perdera a memória. A Embaixada estava escura, mas antes da janela estoirar e o jardim nem haver para se lembrar dele, a mulher viu, sabes, encontrou, assim dizendo, o lenço vermelho escondido na cama, sem sequer alguém o lá ter posto alguma vez, ou alguma vez ele ter existido.