24 maio, 2010

Os kiwis e os pimentos

O senhor Sotssas talvez pudesse ter tido a delicadeza de ter feito a barba esta manhã, mas o senhor Sotssas é um homem que quando se levanta, só tira as calças do pijama e sai de casa. Nesse dia, acordara do lado direito da cama, deixara a porta no trinco, saltara a cancela do metro, dera um pontapé num seixo, desviara o olhar durante cerca de um minuto e trinta e dois segundos a uma mulher que pertencia à nouvelle vague francesa e que saíra dos argumentos do Godard. Quando a senhora Lampreia lhe perguntou se tinha acordado bem, percebeu nitidamente que os kiwis e os pimentos que tinha ido comprar ostentavam no descanso solene das caixas de fruta e de vegetais, respectivamente, a mesma consciência dos kiwis e dos pimentos do outro dia e que partilhavam consigo uma relação duradoura e intrínseca que não estava contida nos seus pêlos faciais nem se orientava pelas manchas da sua camisa. De facto, os kiwis e os pimentos, concluiu, nunca o tinham olhado com o mesmo desdém das pessoas do comboio (de quando o cabelo estava em ruidoso conflito sobrepondo-se numa enxóvia tamanha com referência à guerra civil de espanha e com nota de rodapé para as revoluções liberais francesas), e desde então nunca mais se sentiu indelicado ao sair de casa.

18 maio, 2010

O medo

Secalhar o que há de tão fascinante em arquitectura é precisamente o momento em que o projecto está concluído ao revés da lapiseira e, sobretudo, ainda não se tornou um crime.