12 fevereiro, 2009

Aconteceu No Oeste

Ai, quem dera.
Agora, que desco esta estrada, sinto-me estranhamente. Hoje, o sol tinha nascido tão menino, cheio de luz e dessas coisas que eu poderia ter gostado durante mais tempo, quando era como este sol de hoje: ele resplandece tão fortemente no alcatrão que me sinto quente - quente só de o ver -, e começo novamente a pensar em aproveitá-lo; é tudo tão branco, e é já aquela hora em que estou por minha conta, e sinto pena de amanhã. Sinto pena de alguém, que penso ser eu, e entro numa compaixão pianíssima com as coisas. Acho que é melhor fechar os olhos e só andar e ouvir. Sinto-me quente, sempre que desco a estrada. Percebo que, hoje, é o sol que me deixa assim. Tudo isto, hoje, tornou-se quase numa paisagem idílica, nos confins do sítio de onde se nasce, e cresce, e possivelmente se querer morrer. Hoje, já rebentam nos passeios novas coisas amarelas. E a própria vegetação seca e castanha e dura, dentro dos muros, em busca do céu, ou pelo menos em pé, viradas para ele - tortas mas em pé -, olham para mim e dizem-me que são plantas com esperança. Mas estas próprias coisas acostumaram-se a não me contagiar; e eu tenho de pena de amanhã.
Ai, quem dera que a vida fosse só esta estrada a resplandecer ao sol, que eu andasse de olhos fechados, e, ao chegar a casa a arfar, alguém se levantasse da verde relva e me dissesse tão docemente: Ai!, que coisa boa chegou.
E eu nunca me canssasse disso: sempre Da Capo.

09 fevereiro, 2009

Metafísica Bastante

Há almas a cirandar, aqui.
Afinal, o que é isto de sermos o nosso corpo? Que penitência tão pouco credível vem esta a ser, de sermos amantes vitalíceos de qualquer coisa menos nós próprios? Sinto que há alma: tem de haver; Haver mais qualquer coisa depois de matéria. Há que ser mais que isso.
Vem alguém a arrastar-se. É isso que eu vejo. Toda a gente se arrasta; alguém se vem arrastando desde os confins do profundo: temos chegado aqui tão por arrastamento. Murmura-me existência!: foste tu que nos fizeste andar? Quem nos obriga então a sentirmos este peso? É só peso o que vimos puxando, acredito. Que mais será senão peso? Deixa-me chegar mais perto do que existe. É só peso para chegar, peso para ir, até peso para ficar simplesmente. Peso para acreditar, peso para ver, peso para sentir: peso para cheirar a rosa. A velha não sabe que traz-se a si, ela não imagina. Sente uma enorme saudade do que é, porque o seu corpo condenou-a a sê-lo. O rapaz traz o vício da dor.
Qual é a verdade em sermos o que é físico? Não me deixo enganar por isso; eu não quero pensar que as coisas são como os meus olhos as querem fazer. As coisas são nada. As coisas estão no próprio não-pensamento. Porque o pensar é só neurónios. O espírito não pensa, o espírito não pensa que pensa; o espírito não sente: sentir são só neuróneos; o eu não quer nada; o eu só existe. Porque se é que existe alguma coisa, ela é a prova viva que não existe.
Eu sou mais do que o que mostro. Há que ser mais que isso. É esta a cara que o meu verdadeiro eu tem? É neste espelho que me reflicto; tal como sou? Vê como o corpo nos enganou, ao ponto de olharmos para alguém e pensarmos que ela é o que nós vemos. Como nos enganou tão bem, que já é automático ver-nos como nos vemos, ao contrário de ver apenas o que não vemos. É com estes olhos que o meu eu vê? Ele está limitado a ver só que o que estes olhos lhe mostram? Ou ele está ilimitado a ver nada! Eu tenho qualquer coisa que nunca ninguém viu; eu tenho qualquer coisa que é a própria existência no meu próprio eu; nós temos a existência; vivemos em permanente suspiro com ela. A matéria não faz vida. Mas, no entanto, que ar rarefeito nos havemos tornado. Tão pouco oxigénio de alma.

E para quê tanta coisa, tanta coisa para querer, se as minhas crenças acabaram por cair na crença pelo nada, ou, do mesmo modo, pelo tudo, mas somente por ele?