18 agosto, 2010

As tágides

São como duas irmãs sonâmbulas, e estão resguardadas dentro dos seus vestidos, que são o tecido justo do seu corpo nu, como a palavra é exacta à descrição que falta. Altas são e percorrem o espaço; ao seu movimento fazem vincar as ervas que sucumbem ao arrastamento daquela solenidade de trajes: são coisas vivas que elas vestem! e usam a própria natureza sobre os seus corpos; cobrem-se com mantos verdes de algas e de mar; enfeitam-se com flores e pelos seus cabelos há um múmurio de plantas e de segredos que se inclina e que se insurge nas pontas, amarrando e cedendo. Confundem-se com as árvores - é estranho como conseguem reservar tal graça, acalmando em si a vida que trazem, para partilhar nas árvores a mesma imagem surda e o mesmo repouso mudo, que as torna troncos e ramos do que é contudo igual a si, e que assim, é da mesma raíz que vem.

Neste estado de coisas, em que o som é o do vento e o movimento o das folhas, e dos arbustos,
o do céu a descer a meia-luz, atrás da cidade, para que a sua noite se estenda, vu! Há um gesto que se solta. Um vagar húmido que se larga da árvore, uma lentidão vaga que se deprende. Nascendo com uma precisão absurda, a criatura torna-se concreta e una. Uma espécie de mulher, que é bela e encantadora, e que da inconsciência de o saber ser tem também a sabedoria tranquila da velha que está prestes a morrer; mas que é criança, e que brinca sempre, que se surpreende com aquilo que faz parte do mundo - uma espécie de mulher que não tem medo nem está perturbada, e que vem do mar, dos seus confins, e que se confunde com as árvores. Que bonito. Contudo, de certo modo austera: tem o olhar sob a penumbra de um entretanto, uma máscara que é a sua própria cara, indefinida e difusa como uma armadilha, e que ela usa porque infelizmente sabe do que é que é feito o mundo. Talvez seja esse o seu único defeito.

O jardim é então absorvido pela presença dessa mulher e de outra criatura que é a sua irmã. Agora são duas mulheres, altas, a percorrer o espaço; a inundá-lo consigo próprias; a atirar aquela alma em todas as direcções, quase sem o propósito de o fazer - o que só torna tudo ainda mais maravilhoso, aquela naturalidade interior sem um fim. Sabem declamar poesia, estas criaturas, e falam fluentemente sobre a vida e têm em si até mesmo a consciência dos outros seres que poderiam ter sido, se a vida tivesse sido outra. Lançam-na sobre o jardim, uma poesia que atravessa o ar e ressoa.

Há um momento em que o som se consome. Entram tambores que inauguram a chegada dos pássaros. Pássaros que trazem o caos. Até no caos elas sabem estar e ficam bem. Riem-se do caos, contorcem-se mutuamente e brincam com os seus corpos, as duas, misturam os seus dedos e os seus braços. Quase que dançam, e juntas tomam posturas agudas e desmaiadas. São água estas criaturas. Giram, e estendem os corpos para agarrar os ramos e para se esconderem neles. Cansam-se de tanta vida que deitam para fora, sopram profundamente através de uma respiração que é um eco. É bonito. Duas irmãs que partilham entre si toda a vida que existe, toda a beleza lhes é dada as duas, que sorriem como crianças, e que dançam. Que se repetem entre si e no jardim. Não é por gritarem com mais energia que tem de ser mais rápido. Têm tempo.