16 agosto, 2011

Einstein visto de uma paisagem com quarto

O som anda a trezentos e quarenta metros por segundo. Foi segundo essa promessa que deixei a janela aberta durante a noite, e fiquei à espera de sonhar alto. E nessa expectativa a noite passou, incerta. O nevoeiro anuncia a manhã difusamente, num prolongamento da mesma incerteza com que a noite passa, e que me faz sentir que acordar é também e apenas a continuação de estar a dormir, e que assim sendo a cama é um leito e a vida um túmulo, ou o presságio de um túmulo.

E procuro da janela, nos vestígios da paisagem matinal, a presença de narrativas sonâmbulas porventura. O som anda a trezentos e quarenta metros por segundo e já devia ter regressado para me confirmar que tinha partido. Todas as existências do mundo condensam-se numa paisagem espessa que não devolve a memória dos meus sonos sintomáticos desta noite. E por essa falta certifico o fracasso das minhas esperanças. Pudesse eu acordar e ler claramente no relevo do mundo os oráculos que regressam do passado aos meus sonhos e me despedem do futuro para voltar a vivê-lo postumamente como se já não o tivesse sabido em sonhos, e esquecido em sonhos, esses tais, cheios da vida inteira, recorrentes e furtivos como a mulher que olha e parte, deixando a sombra da partida e a falta da mulher. Mas o mundo deixa assim de ser relevo, atravessado por um nevoeiro espesso, e então é só imagem, e nas imagens não há narrativas, e torna-se então coerente que não as encontre.

Devolvo o depósito do meu corpo à resignação do espaço exíguo do mesmo quarto, que desde sempre tem atravessado o tempo linearmente, como os corpos fazem, todos os corpos do mundo, as massas imóveis fechadas no interior do mesmo mundo, que vão à velocidade do mesmo quarto imóvel, em direcção. Pudesse eu dobrar a continuidade das massas e sair do mundo para ir em sentido inverso pelo mesmo mundo, à velocidade das coisas exteriores. Viver em permanente velocidade, como a luz vive, porque se afasta do espaço a tempo incerto, e por isso a luz não envelhece, e tem sempre o brilho de um outro sol exterior e planetário, que deixa a cada vez que é de ser o mesmo, sobre a sua própria imaterialidade, que é apenas brilho enfim. E é assim que a luz existe mesmo na sua inexistência.

Não tivesse eu memória e para mim o mundo seria a sucessão estanque de cada paisagem, como para a luz é cada sol. A sucessão finalmente livre da causa e do efeito. A vida fotográfica e plana, bidimensional e descritiva, despojada da narrativa e da desgraça, porque o relevo implica sempre sombras.

06 agosto, 2011

I went to the woods / Will you ever return

Perdi-me longamente. Entretanto não quis dormir de janela fechada, senti um calor cansado do lado de dentro, um calor de ficar fechado. Fiquei longamente perdido, portanto. Deixo a janela aberta para ficar a ouvir o mundo. E está a chover e por isso o mundo entra com sensatez e sem euforia. Eu fui aos bosques. Eu estava a cair nas colinas. Eu fui aos bosques para sugar o tutano da vida. O mundo entra, sensato. A chuva abate-se com coragem sobre os campos, como quem se atira do céu e vem gritando desde lá de cima enquanto vem contra o mundo, vendo tudo muito sensatamente, como quem vê de cima. O quarto escorre a falta de alguém para ouvir. Tenho dificuldade em estancar a ponta do dedo e entretanto escorre a falta de alguém. O mundo faz companhia de janela aberta, meio-aberta, julgo. A queda voluntária, ir com mais impulso que é para dar a volta.

02 agosto, 2011